Chosen Books (NEW!)
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"Portrait d'un homme heureux.
André Le Nôtre 1613-1700"
de Érik Orsenna
Ed. Gallimard
A história de André Le Nôtre, o criador dos jardins de Versalhes, e a esse título o mais influente jardineiro da história da Europa, seria sempre, só por si, suficientemente fascinante para qualquer amante de jardins. Filho e neto de jardineiros reais, Le Nôtre elevou-se, através do superior domínio técnico e estético da arte do 'embelezamento' dos jardins reais, muito acima da sua condição original, acabando como “Contrôleur Général” dos Edifícios Reais, e das Artes e Manufacturas de França no tempo do Rei Sol, funções que testemunham uma cultura e uma capacidade que excediam em muito o domínio estrito pelo qual ficou na história.
As suas inovações e invenções mudaram a face verde da Europa, e fizeram da jardinagem uma arte autónoma, destacando-a da agricultura da qual era, até aí, uma simples componente, colocando mesmo várias disciplinas da engenharia ao seu serviço, a começar pela hidráulica. No entanto, o interesse principal deste livro reside, para além da sua vida como jardineiro, numa análise profunda do homem Le Nôtre, e na revelação da especial relação que manteve toda a vida com Luís XIV.
Erik Orsenna, membro da Academia Francesa, antigo conselheiro cultural de François Mitterrand, ex-presidente da Escola Nacional Superior da Paisagem de Versalhes, e um 'habitué' dos corredores do poder francês, descreve essa ligação - também política porque ao serviço da afirmação do poder real - de forma original e algo cúmplice, recorrendo a pensamentos próprios e a máximas lavradas no melhor estilo do Grand Siècle francês, das quais a menos surpreendente não será certamente a de que"os jardineiros agradam às mulheres" (aviso aos ‘amateurs’ de jardins, sobretudo aos casados).
A simplicidade que conservou toda a vida, e a reconhecida fidelidade nas relações humanas (foi, com o senhor de La Fontaine, o único dos antigos protegidos de Fouquet, o criador de Vaux-le-Vicomte caído em desgraça, que não o renegou nem esqueceu) fizeram de André Le Nôtre um íntimo do rei, que lhe dava provas constantes de amizade e apreço, para escândalo e inveja de parte da corte francesa. De resto, o título original do livro deriva de uma frase que o rei lhe dirigiu publicamente, "Vous êtes un homme heureux, Le Nôtre".
É dessa simplicidade que surge um incidente que é uma das melhores histórias do livro, a do beijo papal. De visita a Roma, Le Nôtre, um católico devoto, que a sua reputação de grande jardineiro precede, tem a honra de uma audiência com o Papa Inocêncio XI, um amante de jardins. A audiência, que se previa curta, dura horas, porque o Papa quer saber tudo sobre os jardins de Versalhes. No fim, um Le Nôtre comovido com a bondade papal, quando lhe é dada a mão a beijar não se controla e beija, em vez dela, o Papa na face, para horror protocolar dos presentes. Quando a história chega a Versalhes, contada pelo próprio e embevecido jardineiro real nas cartas aos seus próximos, faz furor, e a Corte preparava-se já para apostar na veracidade da cena na presença no Rei quando este, aconselhando à desistência dos que dela duvidavam, diz: " Não apostem. De cada vez que regresso de uma campanha militar, Le Nôtre também me beija".
Um livro sobre jardins que é, antes de mais, um livro sobre os homens que os fazem, e as relações que estes estabelecem à volta daqueles.
Recomendação de André Dourado